Quem viu o filme “Piratas do Rock” (“The Boat That Rocked” ou “Pirate
Radio” nos EUA), deve ter se divertido com as histórias do pessoal de
uma rádio pirata num barco, mas essas rádios piratas podem ter tido uma
influência histórica muito mais importante do que se imagina.
Responda rápido: Qual é a principal característica da essência do rock?
Se você respondeu rebeldia em prol da liberdade de expressão de
valores humanos (sejam eles quais forem), parabéns, você tem uma boa
noção da essência do rock e certamente já deve ter se perguntado por quê
o rock se desenvolveu tanto no Reino Unido, mais do que em qualquer
outro lugar do mundo, apesar de (segundo a lenda) sua orígem ter sido o
blues, que nasceu nos Estados Unidos e evoluído para o rock’n'roll na
segunda metade dos anos 50.OK… A Inglaterra sofreu com os bombardeios da
Segunda Guerra Mundial e isso certamente levou à um bom grau de
meditação sobre valores humanos, mas não seria suficiente para motivar a
“rebeldia” contra os caminhos que a humanidade têm seguido
(especialmente aqueles, que são impostos pelos governos) e certamente
uma das mensagens mais comuns do rock clásico.
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Qcf-sYdFdmY
Para ter sido o berço das mais importantes bandas de rock da
História, como Beatles, Pink Floyd, Queen, Deep Purple, Led Zeppelin,
Rolling Stones, etc. a Inglaterra certamente precisaria ter passado por
alguma experiência histórica que inspirasse o surgimento de bandas desse
naipe, bem como justificasse a influência cultural.
Enquanto aqui praticamente só se ouve axé, pagode, pancadão e
sertanejo de qualquer jeito em qualquer lugar, lá no Reino Unido, o
roqueiro tem fama de ser o mais exigente do mundo e muitos deles são
audiófilos que preferem ouvir rock através das tradicionais mídias
analógicas descartando a praticidade das mídias digitais, de modo a
ouvir o som mais próximo possível do que se ouvía na época do auge de
certas músicas.
Bom, deixando as minúscias da audiofilia de lado, a resposta para
toda essa paixão britânica por rock, pode estar na época do grande
“boom” do rock britânico, mais precisamente, no começo dos anos 1960.
Nesta época, a única rádio da Inglaterra era o monopólio estatal BBC (
British Broadcasting Corporation), que durou até os anos 1970, mas… a BBC só podía transmitir até 5 horas de música gravada por dia.
Para piorar a coisa, em 1967 graças a um movimento encabeçado pela
Musician’s Union e pela Phonographic Performance Limited (ou seja… a
Indústria Fonográfica – Por quê sempre ela?), encurtou o tempo para no
máximo 45 minutos por dia e com um detalhe: com o objetivo apenas de
divulgação: as músicas ou não eram apresentadas na íntegra, ou os
músicos se apresentavam ao vivo no melhor estilo “unplugged”, o que
ficou conhecido como “needle-time”.
Mapa da localização das principais rádios piratas da região do Reino Unido em 1967.
Cá entre nós… você teria saco de só poder ouvir uma rádio e que não
toca música praticamente de jeito nenhum? Pois é… Foi assim que entrou
em cena o auge da era das rádios pirata montadas em barcos ancorados a
mais de 3 milhas do Reino Unido, transmitindo rock e música popular 24
horas por dia sem as restrições da lei vigente e sem a aporrinhação da
Indústria Fonográfica que hoje se preocupa mais com brigas de Copyright
do que botar música de qualidade no mercado e graças a isso vai de mal a
pior.
Segundo estatísticas da época, cerca de 25 milhões de pessoas (metade
da população britânica) ouvíam essas rádios diariamente e o índice de
aprovação passava os 98%. (Para desespero das autoridades e gravadoras.)
Mas a festa não durou muito tempo… em 14 de agosto de 1967 foi criado o
Marine Broadcasting Offenses Act,
cuja “intenção e efeito era tratar como criminoso, qualquer pessoa que
fornecesse músicas, comentários, publicidade, combustível, alimentos,
água ou qualquer outro tipo de assistência, exceto para fins de
salva-vidas, a qualquer embarcação, como uma salvaguarda aos acordos da
Segunda Guerra Mundial.” Naturalmente, as autoridades deram um jeito de
incluir aí a proibição de qualquer tipo de radiodifusão sem licença
concedida pelas autoridades regulamentares de radiodifusão do Reino
Unido.
A música “Radio Gaga” da banda Queen, certamente teve inspiração nessas rádios
Muitas dessas rádios ainda existem e muito disso se deve ao
trabalho de entusiastas e fãs, que mantém alguns sites no ar, com fotos
histórias e
gravações originais da época, hoje compartilhadas através de vídeos no YouTube.
Muitos
documentários foram feitos sobre elas.
Para que o leitor da
Strix possa ter uma idéia melhor da história dessas rádios, listamos aqui um resumo da história de algumas rádios pirata famosas…
Radio Caroline South
Fundada por Ronan O’Rahilly, a legendária Radio Caroline original nasceu no barco Fredericcia que depois foi renomeado para Caroline e
daí o seu nome. Transmitiu a 1485/1520 kHz (anunciada como “199
metros”, mas na verdade, 197,3 metros, bem no final da banda de ondas
médias). Ficou na ilegalidade de 1964 a 1967.
Radio Atlanta, Radio Caroline North
O segundo barco da mesma “franquia” da companhia
Planet Productions, começou um mês depois a transmitir como
Radio Atlanta do barco
Mi Amigo a 1169/1187 kHz (259 metros).
Em dezembro de 1965, os barcos já usavam os nomes
Radio Caroline North e
Radio Caroline South. O
Mi Amigo afundou em 19 de março de 1980 numa tempestade.
Radio Caroline (De novo?)
Após várias tentativas de recomeço, através do barco
Mebo2, em 1983, a
Radio Caroline passou a transmitir do barco
Ross Revenge a 558 kHz.
Desde fevereiro de 1999, a Radio Caroline passou a ser ouvida apenas
via satélite (Eurobird 1 a 28.5° Leste, Sky, canal 0199) ou através de
seu
website.
A marca Radio Caroline pertence a outra companhia, não mais a Planet Productions, mas licencia a marca para outras rádios espalhadas pelo mundo.
Entre as incontáveis curiosidades sobre a
Radio Caroline,
ela teve um DJ chamado Johnnie Walker, que veio da Radio London, em
1966 e parte do filme “Piratas do Rock” foi filmado em seu barco atual, o
Ross Revenge, que atualmente encontra-se em reforma, bancada por
entusiastas… Aliás, houveram
cenas que aconteceram realmente na
Radio Caroline, que foram reproduzidas no filme.
Radio Veronica, VRON
A
Vrije Radio Omroep Nederland ou “Estação de Rádio Livre da
Holanda”, transmitiu das águas geladas do Mar do Norte de 21 de abril
de 1960 a 31 de agosto de 1974, a 1562 kHz com transmissores tão
potentes que podía ser ouvida até na França, onde o governo instituiu um
imposto para quem tem um aparelho receptor de rádio ou TV que permanece
em vigor até hoje.
Em 1975, legalizou-se como a rádio holandesa
Hilversum 4 (“Radio 4″) mas com uma programação de acordo com os princípios do governo holandês… e ainda está na ativa.
Mas foi só em 1988 quando as rádios comerciais privadas passaram a
ser permitidas na Holanda, que começou um movimento para que então em
1994, a
Radio Veronica voltasse com seu estilo de programação tradicional, desta vez como uma rádio comercial legalizada na Holanda.
Radio London,
Big L ou
Wonderful Radio London ou ainda
Radio Klif London
Transmitiu do barco MV Galaxy de 16 de dezembro de 1964 até 14 de agosto de 1967, ou seja… desligou seus potentes transmissores de 50 mil watts quando o Marine Broadcasting Offenses Act foi instituído.
Hoje a
Radio London hoje só existe na
Internet.
Radio Scotland
O ator (não o cantor) Paul Young foi um dos
DJs desta rádio, que não era num barco, mas transmitia 1241 kHz. Em
meio à programação “oficial”, programas da Radio Caroline, o que causou o
motivo de seu fechamento, mesmo estando em terra.
Radio 270
Transmitiu do barco
Oceaan VII e liderou uma campanha que ganhou dimensões políticas contra o
Marine Broadcasting Offenses Act, mas não sortiu resultados, mas a rádio também é indicada como uma das que inspiraram o filme “Piratas do Rock”.
AVISO: A transmissão de rádio sem autorização das
autoridades, além de poder afetar o sistema de navegação e comunicação
de aeronaves e serviços de emergência como polícia e bombeiros, é crime.
(Mas para ter autorização no Brasil, você precisa extra-oficialmente,
ter algum tipo de “rabo preso”, portanto não existem rádios realmente
livres no Brasil, a menos que você tenha uma rádio online… até que os
políticos arrumem alguma desculpa para proibir a liberdade de divulgação
de idéias através delas também.)
Claudio Henrique Picolo
Claudio Henrique Picolo